Carlos Josias: Quando o realismo constrange o Rei

12.08.2024 - Fonte: Carlos Josias Menna de Oliveira

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Confira artigo do advogado sócio fundador e diretor da CJosias & Ferrer Advogados Associados, Carlos Josias Menna de Oliveira

"A expressão “mais realista do que o rei” significa que alguém está sendo excessivamente realista ou pragmático em relação a uma situação, ao ponto de superar até mesmo a atitude ou expectativas da pessoa com mais conhecimento e experiência envolvida na questão. O “rei” mencionado na expressão é uma referência a uma figura de autoridade ou poder, geralmente usado de forma figurativa para indicar alguém que está no topo ou é o mais influente em determinado contexto.

Quando alguém é descrito como “mais realista do que o rei”, significa que essa pessoa está sendo ainda mais objetiva, crítica ou cética em relação à realidade ou às circunstâncias do que se esperaria do próprio líder ou autoridade da situação. É uma forma de destacar o realismo ou a perspicácia dessa pessoa em relação aos demais, ressaltando sua postura racional e prática. Existe na frase em questão uma dose de sarcasmo que traduz uma séria situação psicológica muito mais comum do que imaginamos, o orgulho da própria ignorância.

Marcelo Teixeira é jornalista e integrante da Academia Araçatubense de Letras (AAL)".

Muito já escrevi sobre a forma de evolução e transformação do setor de seguros ao longo do tempo, em especial da década de 60 para os dias de hoje, e aqui estou me referindo não às só opções de mercado ou ofertas de produtos comercializáveis, mas à execução de procedimentos e trato dos operadores com o consumidor, inclusive na elaboração do clausulado e restrições de cobertura, ou seja, operação de venda e pós venda, o que é vendido o que é comprado e o que não se diz quando vendido ou se diz de um jeito que nem sempre coincide com a realidade no decorrer do contratado.

Segue verdadeiro, depois de tantos anos, o adágio de que o contrato securitário é um pacto por excelência de boa-fé, o que era exaustivamente repetido no passado na maioria das vezes para sustentar negativas de atendimento por se supor ou comprovar ter faltado este requisito pelo contratante. Poucas vezes, no entanto, se disse ao contrário, vale dizer, que o segurador tenha faltado com este cumprimento sagrado, quer por ação, omissão, propósito ou não. Consumidores e vendedores de produtos são compostos por humanos e onde houver o dedo deste ser em qualquer empreendimento haverá a possibilidade dessa ocorrência: é um dos raros riscos certo. Talvez seja um exagero se utilizar, genericamente, da expressão má fé, para um ou outro – e é aqui que pode estar se estampando um erro danoso - porque é sabido que à ausência de dolo não se reputa má fé – então talvez mais apropriado fosse incluir a culpa neste proceder que obstaculiza ou força a cobertura. Em resumo se o segurado pode estar culposamente – mas de forma involuntária – agindo e com este agir esbarrar no atendimento e o segurador, por igual, pode agir culposamente na operação de vender a cobertura que está se perseguindo e, neste caso, estar instado a honrar o pactuado – é um ´revival' do “pacta sunt servanda”.

Vamos ilustrar.

Seguro de vida. Segurado integrante do plano há mais de 20 anos encontra corretor que, diante de queixa do alto valor, lhe propõe migrar para outro plano cujo preço é mais acessível com as mesmas garantias. Seduzido segurado aceita e se muda com família inteira, esposa, filhos, neta etc. Empresa de ponta, a quem atribui credibilidade por isto, confia, de boa-fé, no vasto currículo dos envolvidos.

Recebe documentação por via eletrônica e assina tudo que recebe.

Pouco mais de um ano depois o imigrante precisa utilizar uma cobertura, aconteceu um dos riscos. Aí, somente aí, é avisado que o plano sem carência possuía sim carência para tipos especificados de enfermidades e que diziam com aquelas que ele, de boa fé e sendo sincero, revelou possuir lá atrás quando após examinar o contrato recebe para subscrever um documento que – sim, deveria ter lido com atenção mas a confiança exageradamente depositada lhe distraiu porque, afinal, a garantia do cidadão ainda – apesar dos tempos serem outros - segue sendo a palavra.

O verbo, parece, só era verbo no princípio…no Gênesis, o livro bíblico.

Neste momento também descobre que o plano sem carência possui outras restrições que não só aquela que lhe foi negada, embora por um prazo de dois anos.

Corre ao seu corretor para esclarecer. A resposta é intrigante: também não conhecia, porque pela Lei de Proteção de Dados este documento não me chega.

O que?

Pego por ter cão, preso por não ter cão.

Já estamos em tempo de revisar procedimentos sob pena de voltarmos à sombria era dos anos 70 em que o seguro, na fala de um Ministro do STJ, era um desconhecido, e isto comprometia todos os operadores do setor, ante a desconfiança geral do público consumidor que somente veio a ser corrigida com o advento do CDC.

Não há espaços, no ordenamento atual, para que haja um realismo maior do que aquele que o próprio Rei teria.

Há algo errado neste e em muitos procedimentos. Não se deve perder de vista, por exemplo, que o Corretor é procurador do segurado, então a Lei do Proteção de Dados, na espécie, lhe alcançaria em que exatamente, se ele representa o próprio interessado direto?

Pior, como é que o corretor vende um produto se parte dele pode não ser lhe dado ciência?

Tem muitas coisas a corrigir.

Mas a pérola mais preciosa desta relação descrita – e não veja nada mais real do que exemplo real – o segurado do exemplo encontrou em outra restrição.

Tendo incluído uma criança de quatro anos revelou que ela teria tido ´otite'.

Otite, a inflamação mais banal e comum em qualquer criança. Tão comum que o Gênesis 1,28 poderia agregar:” Crescei e multiplicai-vos e saibam que todos os seus descendentes terão otite na infância.”

Pois a restrição brindou esta criança de quatro anos com dois anos para otite tal plano ´sem carência' em que ela migrou.

Impõe-se uma revisão de procedimentos que nos levam a um retrocesso. Tempo de parar, repensar, e refletir sobre o que está por vir.

Se conquistou muito terreno perdido para se oportunizar espaço por coisas tão pequenas.

Por isto previna-se também, planos ´sem carência” para migrar merecem leitura tão atenta quanto qualquer um que não seja migração, talvez até mais. A confiança só é plena quando se desconfia.

Sabemos que prevenção nunca é demais, e seguro é prevenir.

Tempo de acordar e buscar retomar o caminho conquistado.

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