Crise climática leva seguradoras a repensar cálculo de riscos

17.10.2024 - Fonte: Valor Econômico

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Impacto de dois meses de chuvas no RS para o setor foi semelhante aos mais de R$ 7 bi de dois anos de pandemia

As mudanças climáticas, que têm aumentado a ocorrência e a gravidade de eventos como chuvas, ondas de calor e seca, começam a forçar uma transformação na maneira como as seguradoras gerenciam os riscos. A percepção é que esse talvez seja o “elefante na sala” com o qual eles devem aprender a lidar de forma urgente.

O ajuste é necessário porque o cenário que parece ser o novo normal desafia o modelo de negócios do setor. “O que estamos observando são eventos que antes ocorriam uma vez a cada cem, 200 anos passarem a ser mais frequentes. Isso é um aumento de risco e, quando se aumenta o risco, o preço do seguro sobe. E assim as pessoas deixam de comprar seguros porque o preço subiu, mas justamente em um momento em que o seguro passa a ser ainda mais importante”, disse ao Valor o diretor-presidente do IRBCotação de IRB(Re), Marcos Falcão. Nesse contexto, afirmou, o ressegurador terá de melhorar os modelos de avaliação e de precificação. “É um desafio, na verdade, para toda a indústria”.

O IRB (Re) estruturou no início deste ano uma área com dedicação exclusiva à pesquisa e ao desenvolvimento que analisa a questão dos riscos climáticos. Uma das primeiras iniciativas foi um fórum realizado nesta semana no Rio de Janeiro que reuniu representantes dos setores público e privado, além de pesquisadores, para debater o que está acontecendo e traçar possíveis caminhos para lidar e mitigar os efeitos da mudança no clima.

Se há pouco tempo o Brasil era visto como “sem problemas” do ponto de vista de eventos naturais extremos - diferentemente de outros países -, “agora eles aprenderam o caminho”, disse o presidente da BrasilSeg, Amauri Vasconcelos.

Uma evidência disso é que as fortes chuvas registradas no Rio Grande do Sul entre abril e maio, que devastaram o Estado, tiveram um impacto para as seguradoras próximo ao da pandemia da covid-19, que durou mais de dois anos. Para Vasconcelos, isso demonstra o enorme poder destrutivo de fenômenos associados às alterações climáticas. “Um evento isolado de dois meses está se aproximando da maior calamidade já coberta pelo setor”, afirmou.

As seguradoras no Brasil pagaram em indenizações decorrentes da covid-19 cerca de R$ 7 bilhões, dos quais a BrasilSeg desembolsou cerca de R$ 2 bilhões. Já o volume de pagamentos do mercado segurador atendendo aos avisos de sinistros relativos às enchentes no Rio Grande do Sul chegou a R$ 5,6 bilhões no fim de julho, podendo alcançar de R$ 6 a R$ 8 bilhões, de acordo com estimativas da Confederação Nacional de Seguradoras (CNSeg).

O novo cenário vai impor a necessidade de o setor atualizar a forma como avalia a chance de eventos catastróficos ocorrerem. “Continuamos usando modelos de série histórica para avaliação de risco, mas o problema é que a gente tem uma quebra de série histórica evidente com a questão climática”, disse Dyogo Oliveira, presidente da CNSeg. “Essa é a indústria que melhor tem a capacidade de gerenciar riscos (...) Precisamos realmente exercer um esforço enorme de preparação do mercado para lidar com esse risco, que está aumentando e vai continuar aumentando.”

A gente tem uma quebra de série histórica evidente com a questão climática”
O cientista Carlos Nobre enfatizou a situação de emergência. “As atuais mudanças climáticas são generalizadas, rápidas e se intensificam cada vez mais. Há recordes de secas, ondas de calor e incêndios florestais”, disse.

A temperatura já subiu mais de 1,5 grau e, a longo prazo, pode comprometer até a existência da Amazônia. Como consequência, as geleiras estão derretendo muito e o nível do mar está mais alto - entre 20 cm e 25 cm em alguns locais do Pacífico, alertou Nobre, que é presidente do Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas.

Paulo Miller, assessor da diretoria de regulação prudencial e estudos econômicos da Superintendência de Seguros Privados (Susep), descreveu a crise do clima como um “elefante na sala” com o qual o setor de seguros deve lidar, “não com um olhar extrativista”, para “explorar até que deixe de ser segurável”, mas mantendo o risco “segurável” incentivando as boas práticas de gestão de risco. “A gente tem a questão da precificação, a venda da proteção, mas o seguro tem outro papel muito importante nessa agenda que é o papel regulatório, do incentivo de boas práticas de gerenciamento de risco por parte dos segurados”, afirmou.

Entre as estratégias sugeridas pelas seguradoras para enfrentar os desafios está a maior aproximação com a academia, que produz conhecimento científico, e com o poder público, além de fomentar uma cultura de seguro mais ampla no país. “É motivo de preocupação a baixa penetração do seguro e o ritmo de crescimento no país, aquém do necessário para proteger nossa população, pessoas e negócios”, disse Vasconcelos, da BrasilSeg. No caso do Rio Grande do Sul, as indenizações estimadas representaram menos de 10% do total de R$ 97 bilhões apurado como perda econômica, afirmou.

No campo, as perdas por eventos climáticos nos últimos dez anos somaram R$ 287 bilhões, sendo que apenas uma parcela, de R$ 56 bilhões, foi indenizada por meio de seguros agrícolas ou reembolsos do governo com o Programa de Garantia da Atividade Agropecuária (Proagro). Quem arcou com o prejuízo restante, disse, foram produtores, muitos dos quais acabaram falindo. “No fundo, vai sobrar para a sociedade civil. Toda a sociedade é comprometida quando tem um quadro que se agrava com o risco climático e com uma cultura de seguro muito aquém da média mundial.”

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