Um dos maiores sinistros da história: a recuperação judicial das Lojas Americanas e o seguro de crédito
30.01.2023 - Fonte: Agrifoglio Vianna
Confira artigo do Dr. Lúcio Roca Bragança, sócio da Agrifoglio Vianna Advogados Associados
Em 11 de janeiro último, as Lojas Americanas divulgaram haver inconsistências contábeis na ordem de R$ 20 bilhões em seus balanços. Com o risco nítido e iminente de quebra, as ações (AMER3) vieram despencar 80% já no dia seguinte e, na sequência, veio o rebaixamento de notas de crédito e o bloqueio de recursos por parte dos Bancos com irreversível impacto na capacidade operacional da empresa.
Na data de hoje, 19/01/2023, consumando-se as expectativas, a empresa ingressou com seu pedido de Recuperação Judicial, afirmando uma dívida de R$ 43 bilhões para mais de 16 mil credores. Especificamente para o setor de seguros, estima-se que a Recuperação atraia a incidência de coberturas securitárias no ramo Crédito em valores que variam de R$ 1,2 a R$ 3 bilhões, o que constituiria um dos maiores sinistros da história do mercado segurador brasileiro.
O seguro de crédito é aquele por que a Seguradora se obriga a indenizar o segurado em razão das perdas causadas pela mora prolongada e/ou Insolvência do comprador em face do segurado. No caso específico das Lojas Americanas, ela adquire de seus fornecedores os produtos para a venda mediante a promessa de pagamento futuro (compra a prazo), operação bastante capilarizada no mercado nacional como se infere dos seus 16 mil credores noticiados na petição judicial.
Não é preciso muito esforço para perceber que o seguro de crédito constitui valiosíssimo instrumento de desenvolvimento econômico, pois, além do objetivo imediato de proteção contra a inadimplência, permite ao segurado ter uma maior solidez financeira, com ganhos de credibilidade, reputação e margem para redução de preços e vantagens concorrenciais. Uma empresa desprotegida que tenha margem de lucro de 5%, por exemplo, caso tenha um calote de R$ 200 mil, terá de fazer vendas no montante de R$ 4 milhões para recompor o prejuízo.
Releva notar ainda que não se trata de um produto de abrangência universal, visto não cobrir as transações com pessoas físicas (imprevisibilidade do risco) e com a administração pública (dificuldade de sub-rogação), além de não cobrir eventos ligados a riscos extraordinários (guerra, desastres naturais, acidentes nucleares), ou má-conduta do segurado, como atos dolosos e fraude.
Isso significa que, se as “inconsistências contábeis” das Americanas vierem a ser consideradas fraudulentas, não haverá cobertura?
Eventual fraude das Americanas não afeta a cobertura do seguro de crédito, pois não se trata de ato praticado pelo segurado (fornecedores). Quem entregou seus produtos às Americanas em operação de venda a prazo, naturalmente nada fez de ilícito e tem direito ao recebimento do preço correspondente. Portanto, trata-se de risco coberto, que, se confirmada a cifra máxima estimada em R$ 3 bilhões, corresponderá à metade de tudo que se pagou no ramo vida por conta de Covid-19 desde o início da pandemia.